quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A TORRE DE BABEL


A Torre de Babel é uma pintura de Pieter Bruegel, o Velho, executada no ano de 1563.  Sabe-se que o pintor teria feito três versões da Torre das quais apenas duas chegaram até nossos dias. A maior e mais conhecida, é uma pintura de medidas aproximadas de 114 cm de altura por 154 cm de largura e encontra-se no Museu de História da Arte  (o Kunsthistorisches Museum) em Viena, na Áustria. O outro quadro, a Pequena Torre de Babel, também de 1563, encontra-se atualmente no Museu Boymans van Beuningen, em Roterdã, na Holanda.
             Como se sabe, o mito bíblico de Babel narra a história de um grande projeto humano que é destruído por intervenção divina, através da confusão de línguas, como castigo às arrogantes pretensões humanas de se alçar ao céu. As torres de Babel pintadas por Bruegel são uma representação do mito bíblico, só que contextualizada na Flandres do século XVI. Destarte, Bruegel apropriou-se deste mito, reescrevendo-o, uma vez que coloca em seus quadros cenas e detalhes tipicamente  flamengos de sua época, passando uma mensagem própria ao homem de sua época e espaço. Encontramos, assim, no primeiro quadro, um rei Nimrode, em primeiro plano, que, se aceita uma espécie de adoração à oriental, veste-se como qualquer rei coroado da Europa de então. Vemos claramente, em ambas obras a alusão às navegações e ao comércio marítimo, bem como à paisagem urbana, fenômenos próprios da Idade Moderna .
              Para Hagen, a pintura, que ambienta a Torre de Babel na Holanda do século XVI, mais precisamente na cidade de Antuérpia, cidade comercial cuja localização geográfica de seu porto lhe concedeu especial destaque no comércio com a América e a Ásia, demonstra o desconforto social experimentado com o rápido crescimento urbano advindo do progresso material deste início da Modernidade. Desta forma, a antiga Antuérpia, uma cidade cujos moradores viviam em comunidade há séculos, em poucas décadas experimentou o crescimento populacional e urbano vertiginoso, consistindo já no alvorecer do século XVI numa cidade cosmopolita e dinâmica (HAGEN, 2004, p.15-16).
              Este autor ainda frisa que  estes quadros de  Bruegel mostram a construção da torre não como um acontecimento longínquo, mas como algo extremamente contemporâneo, haja vista os detalhes que cercam a paisagem. A torre tem ao fundo a cidade com seus inúmeros edifícios e é geograficamente localizada perto do porto de Antuérpia por cujo rio aportam inúmeras caravelas com suas mercadorias. Há, ainda,  na primeira torre, várias máquinas e técnicas de construção da época  que são retratadas com detalhes na pintura do artista (HAGEN, 2004, p. 16-17).
             Por sua vez, a chamada Pequena Torre de Babel, tem algumas características próprias, que a distinguem da torre maior. Em primeiro lugar, nela não aparece, como na maior, a figura do rei Nimrode, de suas tropas e seus aduladores. Aqui, a torre aparece mais alta, mais completa, pintada em cores mais sombrias e com um detalhe que a diferencia da sua congênere: há, quase imperceptível, no meio da torre, em uma rampa que parece alçar o seu topo, uma procissão católica, encabeçada por um  baldaquino vermelho.    
             Para Beckett importa em obras da complexidade da Torre de Babel ficar atento ao seu significado visual, tendo em vista a resignificação dada ao mito pelo discernimento do artista, do relato bíblico (BECKETT, 1997, p. 169).
             Vê-se que no quadro maior, Bruegel faz uma crítica à concentração de poder e riquezas nos Países Baixos  durante os quinhentos. O poder político de então encontrava-se concentrado em mãos da casa dos Habsburgos que controlava um vasto Império que incluía boa porção da Europa Ocidental, Central e colônias na América, África e Ásia. O poder econômico encontrava-se concentrado em mãos da burguesia comercial que havia se fortalecido através do comércio marítimo na Europa e com as colônias de além mar.              
             O rei Nimrode de Bruegel bem poderia simbolizar o Imperador Felipe II  que, com a ajuda do mercantilismo estava a edificar um império mundial, já herdado, em parte, por seu pai, o Imperador Carlos V. Apesar de ser um homem como os demais, aceita a veneração que seus súditos lhe prestam. As naus que aportam e descarregam as pedras necessárias à edificação da torre, bem poderiam representar a acumulação capitalista, motor da expansão imperialista. 
             Em decorrência da atividade comercial com as colônias do Império, os Países Baixos estavam obtendo grande acumulação econômica o que, juntamente à disseminação da fé reformada em sua população, atraiu um maior controle da coroa imperial sobre o país. Esta situação ficou a cada dia mais tensa tendo em vista a atitude claramente intolerante do novo Imperador em impor a unicidade da fé, promovendo a uma depuração religiosa, uma vez que para este, o catolicismo era a religião do Império e, por conseguinte, a expansão imperialista além mar não comportaria a expansão de duas religiões concorrentes.   
              Destarte, a situação anterior já caracterizada pelo desconforto entre católicos, protestantes e calvinistas é agravada pela intromissão da coroa nos negócios da fé uma vez que a heresia para o imperador consistia numa rebelião não só contra a Igreja mas também contra o Estado. Um tal Império, marcado pelas dessemelhanças e agora, pela intolerância religiosa, só poderia ter um fim parecido com aquele preconizado pelo mito bíblico de Babel. Parece até que o artista estava a profetizar em sua obra, de 1563, a perseguição levada a cabo pelo representante do Imperador, o Duque de Alba, a partir de 1567, sobre os flamengos de fé reformada e a conseqüente guerra que se instalou  naquele país pelas décadas que se seguiram.
             A religiosidade de Bruegel é uma parte obscura de sua vida, apesar de a maioria de seus biógrafos considerá-lo, oficialmente, católico. Há cientistas sociais que sustentam que, a partir da leitura das nítidas críticas encontradas em suas pinturas contra o catolicismo e mesmo contra o luteranismo, Bruegel deveria ser  um reformador radical, talvez um anabatista, que não revelou explicitamente sua verdadeira identidade em tempos conflituosos (LOPES, 2009, p. 164).

              Para finalizar, pode-se afirmar que o mito de Gênesis apropriado na pintura de Bruegel é uma crítica à concentração de poder, às estruturas que servem para a exaltação do poder terreno e ao acúmulo de riquezas. Babel coloca em xeque estas estruturas, apontando para a transitoriedade de todo o poder terreno, reafirmando a futilidade do esforço humano na busca da glória perene, derrubando por terra a pretensa onipotência humana.
               Não seriam as nossas igrejas atuais verdadeiras Torres de Babel?

Um comentário:

  1. Marcos,

    Bem vindo à Blogosfera!!! heheheh!!!
    Texto muito interessante !!
    Parabéns!

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